quinta-feira, 30 de junho de 2011

Dona-de-casa

Seria preciso ser mais do que isso, meu Deus? Por que será que urge essa necessidade de provocar e de conspurcar o que está, aparentemente, em ordem dentro de mim mesmo? Será suportável essa imbecilidade que impera e que me impele para os mais longínquos confins de meu ser, a qual não tenho por suportável? O que seria preciso fazer ou deixar de fazer para que, plenamente, me fosse dado o direito de me encontrar comigo mesmo sem ter de me despir de meus próprios pensamentos? Por que raios existe esta vontade acessional de desistir, de fugir, de me evadir, de mandar tudo às favas sempre que algo me obstaculiza o caminho? Por que nunca consigo seguir adiante depois de quebrar os dentes com o primeiro tropeço? Que medo de sofrer é este que me prende as pernas e me achincalha aquilo que dantes estava, como sói, em perfeita ordem, pronto para seguir caminho? Não sou tão forte quanto tu desejas, Senhor? Por que não consigo me mostrar digno das graças que recebo ou das mercês que me são feitas, estampando na visagem toda a gratidão e denodo em tentar seguir com o que me propus em levar a cabo? Por que me aferra de forma tão abrupta esta insatisfação que obscurece a boa-vontade ao considerar as coisas e as pessoas de modo que, para me sentir, ao menos, aliviado, tenho que me ver a boa distância de todas elas, evitá-las, mantê-las longe de mim e desprovidas de qualquer tipo de contato? Seria eu uma espécie de demônio que está a completar uma missão no mundo e tem de o fazer na completa solidão requerida para isso? Por que toda esta inexplicável aversão ao convívio com estes que por mim se interessam? Por que esta natureza tão esquiva, arisca, bravia e sub-reptícia que oferece estorvos a todo o tipo de aproximação de quem quer que seja? Por que esta cabeça que não cessa de pensar nas questões mais ínfimas, nos pormenores mais desimportantes, nas situações mais desagradáveis, nas formas mais complicadas e ininteligíveis de desdizer aquilo que nem sequer foi dito? Por que esta falta de interesse por qualquer coisa que seja, esta ausência de paixões e fixações que, em pessoas normais, redundam no que chamam de razão-de-viver? Por que não posso eu encontrar aquilo que, de fato, me atrai e me apaixona fazendo com que eu descubra que estou hipnotizado e cego não vendo mais nada a minha volta senão aquilo? Por que estas quebras de encanto, por que estas desilusões com as coisas pelas quais acho que me interesso? Por que diabos não me interesso? Por que esta indefinível indiferença por tudo e por todos que não me permite, em nenhum momento, reagir às diferentes situações e sentir o que eu realmente deveria sentir em relação a isto ou aquilo? Por que esta tremenda falta de simpatia por tudo e por todos? Por que não consigo me importar com alguma coisa qualquer que seja? Por que não consigo pôr cobro ao projetos que inicio a empreender? Por que todo o circo de horrores quando horror nenhum em verdade existe? Por que ser assim tão complicado? Desejaria que estas coisas fossem substancialmente mais simples, mas vejo que, em pedindo isto, somente estou, mais uma vez, tentando evitar o idôneo esforço que dá mate à sempiterna fome e faz com que tudo tenha mais graça se, porventura, vier a ser completado. Mas dize-me, é demasiado difícil alcançar esta tão almejada plenitude que, a muitos que por aí vejo, parece estar sempre agarrada aos ombros lhes servindo de alfaia? Por que este silêncio abissal que a mim mesmo retorna as perguntas que a ti faço? Por que estou a perder meu tempo endereçando a ti estas indagações todas? Por que gasto meu fôlego rearranjando sentenças e as dirigindo a um ser pelo qual não nutro o mínimo de consideração e nem sequer reconheço como ser existente? Bem, deixando de tolices, talvez as respostas não estejam em ti nem muito menos sejam elas tu; não poderei te as atribuir como graças alcançadas, serviços prestados ou preces atendidas, assim como tu não mas poderás dar, mas elas, sim, são e estão nestas coisas e pessoas que aí se mostram tão próximas, das quais eu me ponho a milhas de distância e me conservo, inutilmente, impenetrável. Por fim, chego à mais que óbvia e, para alguém como eu, inútil conclusão de que, concluir que o problema sou eu é o mesmo que dar mostras de o não querer resolver. Todos nós somos problemas; a solução são os outros, não? Para ser franco, eu mesmo não creio na minha própria premissa.

jun. 2011.

terça-feira, 28 de junho de 2011

N'importe quoi sur n'importe qui

Notre amitié, c'est un prototype de ce que jamais aura lieu
Les souvenirs meurent toujours avec l'aide du temps,
Parce que le temps détruit tout. Le temps détruit tout.
Et je reste ici en faisant les choses que je fais toujours...
Ni bien, ni mal. Ni mieux, ni pire.
Il y a des chose plus intéressantes pour toi.
Il y a des choses plus intéressantes pour moi.
Oui, j'suis sûr.

Il n'y a pas des surprises, il n'ya pas d'émotions fortes...
Il n'y a pas d'eau froide, il n'y a pas de désespoir,
Juste mes yeux qui voient le monde d'obscurité et de mediocrité
Juste mes yeux qui voient le monde d'imbecilité et de pauvreté
Juste mes yeux qui voient les haricots du dîner
Mai je ne me plains pas de la mêmeté
Je ne me plains pas de notre pauvre amitié
Restons ici.

28-06-11

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Ao Jazigo

Levo o tempo que aqui já me leva
Onde lanço estas cartas, acaso.
Meu pensar é minguado, vão, raso...
E a história, em contar, não se eleva.
Me contento com não contentar-me,
Me conformo, por melhor dizer.
Não mereço o que faz merecer
e me dou ao prazer de afeitar-me
com as rosas e os louros do idílio,
com o mofo e o bolor de um exílio
(o sepulcro onde vão sepultar-me).


27-06-11

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Trabalho de Sísifo

Então este é o paraíso
digo, a permanência
digo, o romantismo
digo, a deliquescência
e sua vida curta
quando disto o mundo está farto
pois todos já o ouviram
e tenho todos cá comigo
é um trabalho de sísifo.

Ah, minha pedra rolante
que no cume da montanha
- a causa seu prório peso -
rola de volta me esmagando
qual insecto no piso imundo
e tudo, mais uma vez, há de ser recomeçado
Assim são as coisas no inferno
Desde o lugar onde começa
segue para eternamente recomeçar
eternamente fracassar...
O fracasso me fascina.

E a forma onde fica? Ora...
exploda-se a forma!
O ser livre é o que agora me interessa.
Não ter que fazer isto ou aquilo,
não mais me interessa esta pedra a qual rolo
todos os dias até o topo da montanha.
Sou o sísipho, sou o sísifo, só o sysipho!
(hei de um dia ser algo mais)
mas serei somente meu
in extremis deixarei o paganismo
- mas somente in extremis -
Pois morto não farei mais parte dele.
e o inferno será por mim deixado para trás

Sou mais que os deuses todos
Sou mais que este inferno
mas não sou mais que ninguém
que é semelhante a mim mesmo.
Meu iguais, irritantes pessoas.
Sou somente mais que as lendas
Por que as destruo e aniquilo
de dentro de mim mesmo. As varro...
E sou livre!
Não mais estou no inferno...

Produto de obsessões é este mundo
Esta estrutura alienável
De inalienáveis proporções
Me quedo rabiscando as paredes
recriando uma imagem que tremeluz
por um minuto em minha mente
a pedra parou de rolar
a montanha pode já ser aplainada
o inferno arrefece como um prato de ervilhas
leixado à mercê das correntes de ar
Ao sopro do zéphyro
Suave zéphiro
Agradabilíssimo zéfiro...

E eu, Sísifo, posso agora
Ter o vislumbre de minha própria ignorância
E lamentar o que já foi
e o tempo que perdi
Ao mesmo tempo que deixo escapar
Um longo suspiro de alívio
Estou descansado e livre da pedra
Que rola montanha abaixo.
Me sinto muito mal estando livre
E ainda pior me sinto então
Estando preso a um coisa qualquer
Não me sinto bem não importa como
Sempre mal me sentirei
Já sinto saudades do inferno...

domingo, 19 de junho de 2011

O eu

É um erro crasso desta vida
É substrato, é interstício
É beneplácito e suplício
Não haver volta havendo ida.

Despropósito, despérdício
Um mau projeto. Pouco caso.
São estas coisas por acaso?
Em todo caso, são indício.

Não há planos, não há metas
Não há sendas ou caminhos
Sem decoro e sem alinho
Não há curvas nem há retas.

Mas sou, estou - aqui e agora
E vivo a vida, o vão presente
Espelho e espalho, displicente
Cada minuto e cada hora.

Não ensaio e não planejo
Não desejo, não decoro
Os eus, os mins, os ais devoro.
E espero então qualquer ensejo

De ser quem sou - e assim sendo
Tu, que és quem és, pois, me suporta!
Se te incomodas, que m'importa?
Indiferente é o meu momento.


Das Palavras

As palavras nada valem
Nada vale quem as diz
Muito menos quem desdiz
Quem não diz também não vale
Nada que elas representem...
As palavras muito mentem
Dizem tudo o que não quis
eu dizer, mas já hei dito,
conspurcando o que era puro.
Instalamos um conflito
construindo assim um muro
derrubado e construído
por palavras e murmúrios.

 04-06-11

segunda-feira, 13 de junho de 2011

O orto-heterônimo

Eu sou um livro de poemas
prefaciado por mim mesmo
em forma de heterônimo
- a psyche desta psyche -
e luto pelo direito
de não ser eu quem sou de facto
de não ser eu o meu ortônimo
de abstrair-me de mim mesmo
de ser um ser que sou eu sendo
outro ser que não sou eu
sendo assim ser diferente
que é adverso pelo avesso
que produz e cria um mundo
dentro e dentre mundos vastos
dentro d'outro vasto mundo
universos paralelos
de um parnaso organoléptico
heterocíclico...
hetereonímico...
heterônimo.

13-06-11

Entre nós este silêncio

Entre nós este silêncio...
Entre nós este silêncio
não é lá tão ruim como se pensa.

É quase como não saber o que dizer
É quase como já não mais ser parte,
nem tomar parte...

De mim tudo isto parte,
e a ninguém chega
porque nada parte.

Entre nós um grosso nada
entre nós este silêncio
este silêncio, um grande nada.

13-06-11

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Coisas Por Demais

Há muito neste mundo.
Há coisas por demais.
Muitas sacolas plásticas,
muitos rapazes ociosos,
há curiosos por detrás das frestas,
e pessoas que morrem numa língua a qual não falam,
a qual domina e impregna maldosamente os puros romances.
Tão idiota ela é,
tão tola,
tão...
Pobres meninos internados,
pobres ameixas enlatadas,
pobres poetas que escrevem prosa,
sobre prosa...

Há gente por demais nesse mundo,
Há bicicletas azuis com nomes de sabão,
há homens que amam pedras,
há condições sine qua non,
há poeira nos rótulos da porta,
Formigas,
seringas,
giz...
Manchas escuras na pele envelhecida,
gatos caolhos que se entrelaçam em minhas pernas,
pobres viciados que empenham panelas,
pobres cordelistas que cantam na feira,
pobres poetas que escrevem divagações
sobre divagar...

Pobre Camões que morreu na miséria...

09-06-11

Soneto ao Galhardo Tilbúrio

Belo Tilbúrio que nunca eu hei visto
Lavei em tua margem meu corpo cansado
Que nunca tocou tuas águas no estado
Que agora ele está, já muito malquisto...

Galhardo Tilbúrio de águas extensas
Muito eu queria bebê-las, senti-las,
Com elas benzer este mundo e fruí-las
Até alcançarem almas mais densas.

Lavá-las até mais nada sobrar
Das coisas ruins e o mundo enxaguar
E não mais restar um simples murmúrio.

Criei-te tão longo e pus-te a correr
O mais majestoso rio a nascer
Da imaginação, galhardo Tilbúrio.

9-06-11

terça-feira, 7 de junho de 2011

Dos grãos e Restolhos

E cato agora os mesmos grãos
Coço os olhos e bocejo
Tudo como antes eu fazia
Sendo bendito por quem não me diz
E bem falado por quem não me fala
Dando de comer a estes casos pensados
E os restolhos?
Eles restam,
E apenas restam...
Sempre resta algo, não é?

domingo, 5 de junho de 2011

Wild Horses e Pudim

Rolling Stones é mesmo muito chato...
Mas ao som de Wild Horses as palavras deste poema
Me saem bem tristes mas resignadas
Ou apenas me saem, talvez tu não me creias.

Não convivo com o que escrevo, Drummond me perdoe.
Não convivo com quem me escreve. Perdoa-me, moça.
É que não sou dado a convivências ou abraços
Mas abraço essas palavras que nunca fogem

Interprete-as mesmo que não façam sentido
Não enxugarei as lágrimas fingidas
Nem disfarçarei o alívio de não mais me preocupar
Antes serei o mesmo idiota de sempre
Sozinho a catar os mesmos grãos

Mas desta feita com uma diferença:
Houve uma graceless lady
A qual eu não faço questão de lutar ou conquistar
É que eu desisto muito fácil...
Talvez eu nem a ame...