Como pode um homem maduro e de barbas se dar o trabalho de fazer uma coisa dessas comigo? Sempre pensei que o mais assisado a fazer fosse não se queixar tanto e deixar que o mal acontecesse por si só, como é próprio na ordem natural das coisas. Mas me vem este velho estrábico e me fala de má-fé e me põe nas costas o peso de toda a desgraça que tenho e que não tenho, que sinto e que virei a sentir, e, como se não bastasse, mui comedidamente lhe agradeço, porém já dando-lhe logo depois os mil louvores e âmens por aumentar ainda mais a angústia e me envergar ainda mais minha coluna, já tão enviesada.
Não merece perdão este homem por ter, até os tutanos, o altivo pedantismo de ter a mim arrancado violentamente do limbo, onde eu era uma pobre e inocente vítima de olhos brilhantes, e me lançar desprotegido neste tártarto de culposidade, de errores e de faltas gravíssimas, me esfregando nas fuças que tudo isto tem como único causador e responsável ninguém menos que eu mesmo.
Por fim a este homem, depois de ter incutido em minha mente que sou o vilão da história, que tenho toda a culpa no cartório, que sou eu e não outro o responsável pelo sim e pelo não do status quo, como já hei dito, agradeço, nem mesmo sei por que o faço, mas o agradeço mesmo assim, e com agradecimentos mui sinceros e até mesmo copiosos, pois, ao mesmo tempo que me fez ver com os próprios olhos que vivo no inferno desde que fui engendrado, igualmente me fez ver que sou, ao mesmo tempo, um homem livre, e a ser livre estou condenado enquanto conservar-me com vida. Ser livre: este é o preço que estou pagando por descobrir a verdade deste inferno. Estou repleto é de má-fé!
29-07-11
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