Estive a descer um caminho que vinha das serras como um lucifer malsucedido, cahindo pela manhã. Como a ninguém pude ver, dei que nada testemunhou-se, e fui um demonio não-documentado durante o resto d'este dia. Hei d'um dia attrahir a attenção a Deus sem ter de diffamal-o? Sei que sou só uma sombra d'agua na areia da praia fria que logo some. Sou um lucifer malsucedido, mais que premido pelo limbo onde recolho-me.
Neste sertão de meu quintal não há mais que terra secca e quente grimpando-se por entre os cardos que escalavram meu abronzado terreiro. Nunca eu toquei com os pés o mar, apesar de tanto phantaseal-o. D'elle somente sei o que estão nestes rôtos livros, cartapacios, podres alpharrabios... Meu calcanhar rachado só sabe d'esta terra battida e pedregosa. Meus rudimentos de escripta me são de pouca ajuda aqui por este sopé de serra.
Queria mesmo era ser um menestrel, e correr estas veredas e, quem sabe um dia, ver com os proprios olhos o mar immenso e infinito, e poder compor algo que encerrase algum rhythmo, alguma metrica...Um martello agalopado, quem sabe. Um desafio, uma contoria de viola, dez pés a quadrão...
Qual? Estou cá me entregando a este demonio que me róe a fé. Por que deixei o seminario, meu Deus, por quê? Não te creio, nem te quero, tampouco te espero. Lucto contra ti sem cessar emquanto varro meu battente, emquanto passo meu café e quebro o garracho do fogareiro, emquanto lavo os pés, emquanto armo minha rede no copiar e fumo meu pito de olho nas rêses.
Pensas tu que é facil sustentar esta razão minha nestas alturas do seculo? A republica está ahi, e o Conselheiro arrebanha-te correligionarios por onde passa. São todos junctos um bando de mortos de fome e que acceitam o que melhor lhes confortar, as melhores promessas de salvação por meio desta lenta e irracional mortificação do corpo, esta posição callada ante a miseria d'este teu vasto sertão de terra queimada.
Estão encerrados todos num arraial em vias de ser explodido pelos ares por um esquadrão de infantaria da provincia. Que posso fazer a respeito d'isso? Elles vivem hypnotizados pela palra do Conselheiro, que lhes incute na mente que este é o apocalypse, que a Republica é o reigno de satã e outras coisas mais que eu não admitto como normaes, tanto que estou na posição em que estou. Não creio nestas historias, não senhor e, por isso mesmo, deixei de lado estas coisas de ser padre...
Quero mais é minha vida, que é só o que tenho, e é já ruim que só ella. Tenho lettras; coisa rara no rincão onde vivo. Raras lettras...
Mas não tenho a ti, que é quem sustenta a toda esta gente pobre e liquidada que se esgueira por entre estas pedras ovaes, estes seixos crepitantes, este cascalho miúdo que se eleva e irrita os olhos no sôpro do vento.
Não te tenho, Senhor, mas tenho ainda as incertezas, por isso estou neste isolamento voluntario. Comtudo, esta desconfiança me martella as idéas...
Por que deixei aquelle officio tão sancto para ser este demonio não catalogado ao pé da serra, accostado no oitão da casa? Um homem que estudou tanto para ser padre e abadomnou o officio por falta de fé... Não quero ser assim ,não posso ser assim...
O Conselheiro ainda me seduz com algumas de suas patranhas, tenho de dizel-o . Quem dera accontecesse de volver o grande Dom Sebastião em uma madrugada d'essas e a mim me atravessasse c'oa poncta da espada sem dó ou piedade, tal qual fez a um bando de mouros immundos e infiéis ao norte d'Africa. Só ahi estaria eu punido por meu irremediavel peccado de negar a ti. Ó, Deus, onde estás que não te mostras? Talvez em Alcácer Quibir, juncto dos mouros...?
Os mouros não vos querem, ó Senhor, voltae! Voltae e trazei comsigo de volta o bom Dom Sebastião, e ahi, quem sabe, considerarei a ti... Preciso d'isto, Senhor, preciso crer! mesmo que não baste para nada, mas baste para a vida...
A 25 de septembro de 1895 da era de Jesus Christo, nosso Senhor.
Neste sertão de meu quintal não há mais que terra secca e quente grimpando-se por entre os cardos que escalavram meu abronzado terreiro. Nunca eu toquei com os pés o mar, apesar de tanto phantaseal-o. D'elle somente sei o que estão nestes rôtos livros, cartapacios, podres alpharrabios... Meu calcanhar rachado só sabe d'esta terra battida e pedregosa. Meus rudimentos de escripta me são de pouca ajuda aqui por este sopé de serra.
Queria mesmo era ser um menestrel, e correr estas veredas e, quem sabe um dia, ver com os proprios olhos o mar immenso e infinito, e poder compor algo que encerrase algum rhythmo, alguma metrica...Um martello agalopado, quem sabe. Um desafio, uma contoria de viola, dez pés a quadrão...
Qual? Estou cá me entregando a este demonio que me róe a fé. Por que deixei o seminario, meu Deus, por quê? Não te creio, nem te quero, tampouco te espero. Lucto contra ti sem cessar emquanto varro meu battente, emquanto passo meu café e quebro o garracho do fogareiro, emquanto lavo os pés, emquanto armo minha rede no copiar e fumo meu pito de olho nas rêses.
Pensas tu que é facil sustentar esta razão minha nestas alturas do seculo? A republica está ahi, e o Conselheiro arrebanha-te correligionarios por onde passa. São todos junctos um bando de mortos de fome e que acceitam o que melhor lhes confortar, as melhores promessas de salvação por meio desta lenta e irracional mortificação do corpo, esta posição callada ante a miseria d'este teu vasto sertão de terra queimada.
Estão encerrados todos num arraial em vias de ser explodido pelos ares por um esquadrão de infantaria da provincia. Que posso fazer a respeito d'isso? Elles vivem hypnotizados pela palra do Conselheiro, que lhes incute na mente que este é o apocalypse, que a Republica é o reigno de satã e outras coisas mais que eu não admitto como normaes, tanto que estou na posição em que estou. Não creio nestas historias, não senhor e, por isso mesmo, deixei de lado estas coisas de ser padre...
Quero mais é minha vida, que é só o que tenho, e é já ruim que só ella. Tenho lettras; coisa rara no rincão onde vivo. Raras lettras...
Mas não tenho a ti, que é quem sustenta a toda esta gente pobre e liquidada que se esgueira por entre estas pedras ovaes, estes seixos crepitantes, este cascalho miúdo que se eleva e irrita os olhos no sôpro do vento.
Não te tenho, Senhor, mas tenho ainda as incertezas, por isso estou neste isolamento voluntario. Comtudo, esta desconfiança me martella as idéas...
Por que deixei aquelle officio tão sancto para ser este demonio não catalogado ao pé da serra, accostado no oitão da casa? Um homem que estudou tanto para ser padre e abadomnou o officio por falta de fé... Não quero ser assim ,não posso ser assim...
O Conselheiro ainda me seduz com algumas de suas patranhas, tenho de dizel-o . Quem dera accontecesse de volver o grande Dom Sebastião em uma madrugada d'essas e a mim me atravessasse c'oa poncta da espada sem dó ou piedade, tal qual fez a um bando de mouros immundos e infiéis ao norte d'Africa. Só ahi estaria eu punido por meu irremediavel peccado de negar a ti. Ó, Deus, onde estás que não te mostras? Talvez em Alcácer Quibir, juncto dos mouros...?
Os mouros não vos querem, ó Senhor, voltae! Voltae e trazei comsigo de volta o bom Dom Sebastião, e ahi, quem sabe, considerarei a ti... Preciso d'isto, Senhor, preciso crer! mesmo que não baste para nada, mas baste para a vida...
A 25 de septembro de 1895 da era de Jesus Christo, nosso Senhor.
04-08-11
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