Eu nunca satisfiz os meus anelos
Quando quis ter a todos satisfeito.
Recubro a vida afora com despeito
E frustrado, ao meu nada então apelo.
No entanto, nele posto é pois mais belo
O sofrer de uma astrosa criatura,
Que em píncaro de horrenda desventura,
Não recorre ao vil mundo paralelo.
Feliz é estado incerto e improvável
A mim que vivo e evito estar absorto,
A mim só basta ser e estar estável
Sem ter no impossível meu conforto.
Não vivo a me fiar no insustentável,
Pois logo tombarei com isto: eu morto.
joão niemandt
16-09-11
sexta-feira, 16 de setembro de 2011
segunda-feira, 12 de setembro de 2011
Bismela setembrina ou Promessa de Alá
A menor recompensa para ti, homem justo, e também para ti, ó mártir, é um sólido, cristalino e indeflagrável átrio com oitenta mil servos de prontidão e formosíssimas setenta e duas esposas virgens, sobre o qual, como coroa majestosa, repousará, magnificamente bem posto e assentado, um mais que esmerado domo decorado e escalavrado de pérolas, aquamarinas e encarnados rubis de brilho absurdamente coruscante. Será este átrio tão exageradamente largo que comparar-se-á sua largura com a distância entre Al-Jabiyyah e Sana'a, e ainda parecerá vencer esta desassisada distância. Os frontões gregos, com suas colunas de capitéis magros, seus minguados florões pouquíssimo originais e seus arcos tortos e imperfeitos nada serão ante o apuro, o denodo e o excesso de requinte da dimensão estrutural e arquitetônica deste palácio que há de te acovilhar para toda a eternidade junto com os teus servos e tuas concubinas.
E refestalado em infinito e indescritível prazer, deitarão a ti sobre leitos sumptuosos e celestiais, incrustados com preciosíssimas pedras raras, onde servirão somente a ti setenta e duas belíssimas jovens de frescores imortais, de vitalidade, juventude e vestal beleza eterna, com suas taças cristalinas abarrotadas de vinho vermelho como o sangue da vida, o qual nunca te provocará uma intoxicação nem mesmo uma mísera dor de cabeça. Beberás desse vinho eternamente e nunca mais dele hás de te fartar e, cada vez que dele para dentro de ti verteres, seu doce e arielesco transladar, de forma unicamente agradável, te embriagará, mas sem que tu te destruas ou percas a razão por completo. Estarás, a um só tempo, embriagado e sóbrio numa espécie de equilíbrio entre estes dois extremos, de modo que somente o prazer se possa sentir por baixo de todo este inefável torpor.
A ti as húris, eternas virgens, trarão as frutas de tua predileção e a carne mais nobre, das mais nobres aves, que desfazer-se-á em tua boca com tão magnificente sabor que nenhum néctar ou manjar de deuses gregos alguma vez teve ou terá enquanto houver o tempo a correr. Somente tuas serão as húris, com seus olhos negros, virginais e castas como pérolas bem guardadas, seus seios maduros, seus corpos transbordantes de mel, vinho, e óleos aromáticos. Divinas, belas, sedutoras, especiosas, lascivas, todas elas tuas em recompensa por tudo quanto hás feito em vida, tudo em recompensa pelo bom homem que foste; serão teu troféu, tua fonte de infindável prazer, um moto-perpétuo de orgasmos, um bacanal em ciclo contínuo e infinito num paraíso de virgens, manjares e orgasmos também infinitos. Sê bem-vindo ao meu paraíso!
E refestalado em infinito e indescritível prazer, deitarão a ti sobre leitos sumptuosos e celestiais, incrustados com preciosíssimas pedras raras, onde servirão somente a ti setenta e duas belíssimas jovens de frescores imortais, de vitalidade, juventude e vestal beleza eterna, com suas taças cristalinas abarrotadas de vinho vermelho como o sangue da vida, o qual nunca te provocará uma intoxicação nem mesmo uma mísera dor de cabeça. Beberás desse vinho eternamente e nunca mais dele hás de te fartar e, cada vez que dele para dentro de ti verteres, seu doce e arielesco transladar, de forma unicamente agradável, te embriagará, mas sem que tu te destruas ou percas a razão por completo. Estarás, a um só tempo, embriagado e sóbrio numa espécie de equilíbrio entre estes dois extremos, de modo que somente o prazer se possa sentir por baixo de todo este inefável torpor.
A ti as húris, eternas virgens, trarão as frutas de tua predileção e a carne mais nobre, das mais nobres aves, que desfazer-se-á em tua boca com tão magnificente sabor que nenhum néctar ou manjar de deuses gregos alguma vez teve ou terá enquanto houver o tempo a correr. Somente tuas serão as húris, com seus olhos negros, virginais e castas como pérolas bem guardadas, seus seios maduros, seus corpos transbordantes de mel, vinho, e óleos aromáticos. Divinas, belas, sedutoras, especiosas, lascivas, todas elas tuas em recompensa por tudo quanto hás feito em vida, tudo em recompensa pelo bom homem que foste; serão teu troféu, tua fonte de infindável prazer, um moto-perpétuo de orgasmos, um bacanal em ciclo contínuo e infinito num paraíso de virgens, manjares e orgasmos também infinitos. Sê bem-vindo ao meu paraíso!
João Costa
quinta-feira, 8 de setembro de 2011
O lagarto do Parque Güell
Sonhei uma vez estar no Parque Güell admirando suas colunas, seus azulejos, suas torres, maravilhado com toda aquela belíssima aura de modernismo desmedido de Gaudí, e, descendo um vão de escada de corrimão sem balaústres, me vi, inexplicavemente, numa estada descendo o Araripe onde alguns carros, todos eles Ford T, subiam o declive em marcha ré com os motores desligados ou com câmbio em ponto morto. Não lhes dei atenção, minha mente desembocava todo o fluxo das ideias no lagarto do Güell, o lindo e imponente lagarto do Güell. Procurei debalde esse lagarto - sempre tão recorrente nas imagens do parque - por todos os lados, como pude, e somente depois de alguns minutos dei-me conta de que não estava mais em Barcelona, e sim no meio do Araripe, que não obstante ser um recôndito de mata atântica, me figurava no sonho como o mais desidratado e escaldante sertão, um puro andurrial. Olhando para o ocidente vi uns trilhos fazendo a curva na descida da serra e resolvi segui-los, uma vez que havia me desvencilhado do caminho que traçava, e vi que não poderia mais tornar ao lugar onde estava anteriormente. Neste dia ensolarado ventava muito naquele descampado ressequido e, como é de praxe nos sonhos, esqueci completamente do que estava a procurar e apenas segui os trilhos. Pouco tempo descendo a escosta, vi uma grande pedra onde estava escrito algo como "JO SÓC UN DRAC, NO UN LANGARDAIX" e, sobre ela vi, com grande surpresa, que deitava, imponente, o lagarto do Güell. Fitei-o bem de perto tentando gravá-lo na memória em seus ínfimos detalhes, pois senti que não permaneceria ali, no meio do ábdito sertão, por muito tempo.
Não podia imaginar como ele havia se teletransportado àquelas paragens desde Barcelona, nem mesmo como eu havia feito a mesmíssima coisa apenas descendo uma escada. Me concentrei nele finalmente. Os Ts haviam parado de passar ao longe na estrada, não vi mais os trilhos que segui até chegar à pedra que deles se avizinhava e onde pousava o lagarto. Estava agora no meio do mundo, onde o Sol não dava sinais de tramontar nunca, sozinho com a famigerada criatura. Não me lembrei em nenhum momento de Gaudí, e nem o considerei como criador daquele ser extraordinário. Certamente ele sempre existira e, quanto mais eu o mirava, mais certo me tinha desta constatação.
Muita água jorrava de sua boca e evaporava antes de tocar o solo. Eu não consegui atinar de onde vinha aquela água, ainda mais estando onde estávamos. Dos poucos lagartos que havia visto, ele era o maior e o mais belo de todos, sobranceiro àquela pedra lavrada e fervilhante, tão imponente e calcário; era calcário sobre calcário, mas não sendo ao mesmo tempo a mesma coisa. O lagarto era indivíduo, senhor de si, não era pura pedra ou pedra bruta, era ser de pedra sem ser pedra. Brilhava ao sol forte e parecia cada vez mais brilhante à medida que o esquadrinhava mais de perto. Não, Gaudí nada tinha a ver com a criação daquele vultoso animal; Gaudí, mais provavelmente, havia sido criado por sua suposta criação.
Parecia que estava a ver o próprio Deus, o Deus lagarto. Não consegui, por mais que tentasse, tirar meus olhos dele, quanto mais afastar-me de sua etérea presença. Vi que enquanto estivesse ali, não haveria noite, o Sol estava lá com o fim único de iluminá-lo. Ele se alimenteva de Sol, de luz e, agora, de minha embasbacada admiração pela sua acrônica e reptílica beleza. Decerto logo me mataria e me devoraria, como fez com o próprio Gaudí, que tentou apoderar-se dele, sem êxito.
Confesso que achei-o muitíssimo mais majestoso ali, encimando a rocha, do que na própria fonte em Barcelona, no centro das escadas, onde era senhor do parque. O sertão lhe caía muito melhor como cenário, mais belo que qualquer retábulo barroco. Me parecia que sempre estivera ali a contemplar o infinito céu, completamente imóvel e indiferente a qualquer fenômeno, mergulhado em seu transe eternal, onde se elevava no meio da caatinga. Um ponto que marcava a beleza do seco e inóspito sertão e o transformava em distorção tempo-espaço, uma cúpula invisível que delimitava um deífico sítio de terra brônzea e escaldante. Parece que nunca estivera em outra parte que não fosse o lombo abaulado daquela pedra.
Senti mil ganas de tocá-lo e sentir seu frio e rutilante corpo. De olhos fixos a mirar sua face, eu balbuciava, de forma irritante e em voz baixa e rouca, ininterruptamente, a frase "és o deus lagarto". Não pensava em mais nada a não ser em tocar sua face ou sua cabeça. Não conseguia me alhear dessa vontade tremenda, absolutamente nada mais me passava pela mente senão isso de tocá-lo. Estava completamente dominado por tal desejo e não pude fazer nada além de chegar-me gradativamente para perto dele. Ele, por sua vez, não se movia de forma alguma, e brilhava cada vez mais, mais que o prório Sol, mais que qualquer outra luz que apareça em sonhos sem deixar cego quem a vê. O sertão inteiro havia sumido completamente àquelas alturas. À nossa volta, nada a não ser o branco de sua luz que recobriu todo o universo que o olho pode ter ao alcance. Estava eu cada vez mais perto dele e cada vez mais me sentia numa eviterna paz ao estar próximo de tê-lo de encontro a meus dedos. Cada vez que me aproximava dele, de sua cabeça, com a mão estendida e espalmada para senti-lo e tateá-lo, mais rápido repetia as já ditas palavras, até que, quando finalmente consegui ficar à distância de um palmo de seu corpo, e ainda repetindo as palavras sem cessar, arrostando-me ele, sem mover a boca nem outra parte do corpo, disse em estentórea voz: "Não sou Lagarto, sou Dragão!" e desfez-se em luz antes que eu pudesse realizar minha única e mais avassaladora vontade.
Não podia imaginar como ele havia se teletransportado àquelas paragens desde Barcelona, nem mesmo como eu havia feito a mesmíssima coisa apenas descendo uma escada. Me concentrei nele finalmente. Os Ts haviam parado de passar ao longe na estrada, não vi mais os trilhos que segui até chegar à pedra que deles se avizinhava e onde pousava o lagarto. Estava agora no meio do mundo, onde o Sol não dava sinais de tramontar nunca, sozinho com a famigerada criatura. Não me lembrei em nenhum momento de Gaudí, e nem o considerei como criador daquele ser extraordinário. Certamente ele sempre existira e, quanto mais eu o mirava, mais certo me tinha desta constatação.
Muita água jorrava de sua boca e evaporava antes de tocar o solo. Eu não consegui atinar de onde vinha aquela água, ainda mais estando onde estávamos. Dos poucos lagartos que havia visto, ele era o maior e o mais belo de todos, sobranceiro àquela pedra lavrada e fervilhante, tão imponente e calcário; era calcário sobre calcário, mas não sendo ao mesmo tempo a mesma coisa. O lagarto era indivíduo, senhor de si, não era pura pedra ou pedra bruta, era ser de pedra sem ser pedra. Brilhava ao sol forte e parecia cada vez mais brilhante à medida que o esquadrinhava mais de perto. Não, Gaudí nada tinha a ver com a criação daquele vultoso animal; Gaudí, mais provavelmente, havia sido criado por sua suposta criação.
Parecia que estava a ver o próprio Deus, o Deus lagarto. Não consegui, por mais que tentasse, tirar meus olhos dele, quanto mais afastar-me de sua etérea presença. Vi que enquanto estivesse ali, não haveria noite, o Sol estava lá com o fim único de iluminá-lo. Ele se alimenteva de Sol, de luz e, agora, de minha embasbacada admiração pela sua acrônica e reptílica beleza. Decerto logo me mataria e me devoraria, como fez com o próprio Gaudí, que tentou apoderar-se dele, sem êxito.
Confesso que achei-o muitíssimo mais majestoso ali, encimando a rocha, do que na própria fonte em Barcelona, no centro das escadas, onde era senhor do parque. O sertão lhe caía muito melhor como cenário, mais belo que qualquer retábulo barroco. Me parecia que sempre estivera ali a contemplar o infinito céu, completamente imóvel e indiferente a qualquer fenômeno, mergulhado em seu transe eternal, onde se elevava no meio da caatinga. Um ponto que marcava a beleza do seco e inóspito sertão e o transformava em distorção tempo-espaço, uma cúpula invisível que delimitava um deífico sítio de terra brônzea e escaldante. Parece que nunca estivera em outra parte que não fosse o lombo abaulado daquela pedra.
Senti mil ganas de tocá-lo e sentir seu frio e rutilante corpo. De olhos fixos a mirar sua face, eu balbuciava, de forma irritante e em voz baixa e rouca, ininterruptamente, a frase "és o deus lagarto". Não pensava em mais nada a não ser em tocar sua face ou sua cabeça. Não conseguia me alhear dessa vontade tremenda, absolutamente nada mais me passava pela mente senão isso de tocá-lo. Estava completamente dominado por tal desejo e não pude fazer nada além de chegar-me gradativamente para perto dele. Ele, por sua vez, não se movia de forma alguma, e brilhava cada vez mais, mais que o prório Sol, mais que qualquer outra luz que apareça em sonhos sem deixar cego quem a vê. O sertão inteiro havia sumido completamente àquelas alturas. À nossa volta, nada a não ser o branco de sua luz que recobriu todo o universo que o olho pode ter ao alcance. Estava eu cada vez mais perto dele e cada vez mais me sentia numa eviterna paz ao estar próximo de tê-lo de encontro a meus dedos. Cada vez que me aproximava dele, de sua cabeça, com a mão estendida e espalmada para senti-lo e tateá-lo, mais rápido repetia as já ditas palavras, até que, quando finalmente consegui ficar à distância de um palmo de seu corpo, e ainda repetindo as palavras sem cessar, arrostando-me ele, sem mover a boca nem outra parte do corpo, disse em estentórea voz: "Não sou Lagarto, sou Dragão!" e desfez-se em luz antes que eu pudesse realizar minha única e mais avassaladora vontade.
08-09-11
terça-feira, 6 de setembro de 2011
Useless handkerchief
Um olho raso d'água não é dor,
é lágrima, bênção travestida.
Dor é o que está dentro e não se vê
Sente-se a pulsar, mas não sabe-se o porquê
Lágrima é o troféu de quem consegue
mostrar que sabe sim sofrer.
Quem tenta chorar e não consegue
bem mais triste pode ser.
Quer aliviar o que está preso,
Como se chora, o que fazer?
Procura em vão qualquer motivo
Sente de fazê-lo a obrigação
E tenta chorar, mas sem poder.
06-09-11
é lágrima, bênção travestida.
Dor é o que está dentro e não se vê
Sente-se a pulsar, mas não sabe-se o porquê
Lágrima é o troféu de quem consegue
mostrar que sabe sim sofrer.
Quem tenta chorar e não consegue
bem mais triste pode ser.
Quer aliviar o que está preso,
Como se chora, o que fazer?
Procura em vão qualquer motivo
Sente de fazê-lo a obrigação
E tenta chorar, mas sem poder.
06-09-11
sexta-feira, 2 de setembro de 2011
Fragmento
E tinha o coração divido entre mais de uma coisa, entre mais de um
objeto, entre mais de uma pessoa, sem nunca devotar o inteiro de seu ser
a apenas uma delas. Não tinha de fato um objeto de amor, o que é a mais
legítima fonte do enfado e do desespero, da crise que agarra nas tardes
solitárias, daquela podre inquietação que vai e volta, da indecisão que
as palavras não ditas plantam n'alma. Porque, muitas vezes, as palavras
ditas não importam, elas só saem a esconder o que não foi dito. Às
vezes importa muito mais traduzir o que se perde, traduzir o que não foi
dito ao invés do que o foi; essa é a única parte que interessa quando
lemos as pessoas. E ler as pessoas é uma arte arcana, é mistério puro,
como tudo o que envolve isso de penetrar as palavras.
02-09-2011
02-09-2011
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