terça-feira, 31 de janeiro de 2012

(Eu e) As Pedras

Tenho fascínio por pedras,
e ao mesmo tempo as desvio
da ideia, essa que medra,
vinda do pejo do frio

Que é próprio das realidades
pétreas: maciços vazios.
Pedras que não têm idade.
Vidas que vêm sem seus fios.

Tristes, paradas, dormentes,
só lidam co'a solidão.
Pulcras por serem dolentes.
Sólidas mães da acridão.

Pedras: mistério que encerram,
Que captam minha atenção.
Pedras que os ventos enterram
com o pó: matéria de Adão.

O pó, que um dia foi pedra,
foi massa que a santa mão,
fez homem, que a terra redra.
Entre os dois eis relação!

Com elas sei que aprendi
e a elas vão estes versos.
Pedras que sempre entendi,
largadas em mundo adverso.

Presas ao solo gelado
Duras, frientas, singelas,
Sinto-me a todas ligado
Quase que sou uma delas.


31-01-12

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Arquiinimizade de amantes

O amor é inimigo dos amantes,
E os amantes, inimigos um do outro.
Pois os que se amam lutam entre si
Numa dança de egos superprotetores,
Num formigueiro de vermes em estado latente
Dentro do amor que se deteriora.
Zurzido, dia a dia, pelos pingos da chuva da rotina
E açoitado, sem cessão, até a morte.

Trabalhado à exaustão está o amor.
E brota do inescrutável, e tem de ser curtido.
Acalentado pelos amantes arquiinimigos
Não só de si próprios como do próprio amor que cultivam.
A flor da gula, da cegueira e da extinção.
É aquilo que os une, opõe e, por fim, separa.
Amor de amantes, tripla causa de discórdia.
Um criador de inimizades.

26-01-12

domingo, 15 de janeiro de 2012

LXVI


É (desde que dela sei) um prêmio altivo que foi
uma vez posto sobre o pedestal altaneiro,
revolvendo-se eterna frente ao sol a pino

bem à vista do eu, porém longe do mim
a mil léguas compridas do alcance dos dois.
Bem esmerada, porém erguida, para que

caísse, vez ou outra, atingindo várias cabeças,
em dias aleatórios, feitos de mármore duro
e chuvas de gota espessa, quebrantada,

a arrefecer as ideias frouxas, e pondo
em termos mais simples a concepção
do que se quer, e a visão de ser isso mesmo,

desde o início dos enlaces, desde os cantos
mais madrugais, desde as horas primeiras,
desde tudo o que vem na frente de tudo.

Não é de minha autoria ou propriedade,
não é de meu conhecimento ou parecer,
mas desce a mim cada vez que penso

em tudo o que não posso nem quero
fazer antes de ter o azo e a razão para
em marcha o pôr. Peço perdão pelo vício

de a cobiçar, de desejar tê-la por
mais que um punhado de horas,
de banhá-la no mercúrio dos dias quentes,

de afogá-la junto com os cachetes,
de religiosamente implorar para que fique
sempre aqui ao meu lado, integralmente

minha, a saciar os anseios mais imediatos
para toda e qualquer urgência boba,
para evitar o pugilato de entrededos

durante o governo porco e entrecortado
das horas plenas de ócio. Para que não seja
tão fugaz, para que não seja assim como sói

ser por todo o tempo que me cabe a desejá-la.
Para que possa lembrar-se de que há
quem a queira e a mereça, na medida do possível.

Não como o troféu do mal-informado,
nem como o galardão do ignorante
mas como a recompensa do (des)merecedor,

incapacitado de a receber como sua de direito,
vendo-a dançar com os descompromissados
atinando maneiras de a capturar - efetivamente,

como quem viesse com ordem de prisão,
ou como quem mandasse em vontade alheia
ou como quem... mandasse em vontade alheia...

Pois, como o que sabe o que ansia, sem saber
como o lograr, passo ao largo de sua casa
e, de través, lanço olhares vagos para os felizardos

que a tocam amiúde em um bacanal onde
borbulham nomes russos, vodkas anticristãs,
soluços de gente farta a repimpar-se como somente

com ela se o pode fazer. Satisfação transbodante
é o que vejo nestas pessoas todas, que
muito me diminuem e me rebaixam à condição

medíocre de marginal não extratificado,
mero espectador do gozo alheio e inconsequente
de pessoas que têm muito do que não merecem

e, por não merecerem, são dignas de dispor
abundantemente disso (que em abundância têm)
e legam seu niilismo ao homem que vem depois

em trevas surdas, balbucios roucos, bestas-feras,
depois de mim, deles, do mundo em si, vergonhoso e triste,
e dela, que nos move até o céu - onde não entrará - satisfação.

15-01-12

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Uvas in the distance

Eu sou a raposa da fábula
Minhas uvas são distantes
Microbianamente minhas,
E coisas distantes são turvas, ambáricas...
Me negam o direito de tê-las ou de negá-las
Almejá-las faz-me, por birra, não vê-las
Não sê-las, não comê-las,
Perdê-las, desentendê-las,
Amiúde desmerecê-las,
Sem nunca antes amá-las.
Pois sou a raposa da fábula,
E as minhas uvas são grises
Bem antes de serem verdes
Uvas de ectoplasma natimorto
Uvas hiper-imaginárias
Uvas supra-sensíveis
Uvas verdes comentícias
Impossíveis, alucinógenas,
Nunca, jamais concebidas
São d'água-e-sal, são placebo, homeopáticas
Uvas, antes de tudo, impróprias
Pois não as merece a raposa.
Ademais, estão verdes...

10-01-12